O Mito da Caverna
Imaginemos uma caverna separada do mundo externo por um altomuro. Entre o muro e o chão da caverna há uma fresta por ondepassa um fino feixe de luz exterior, deixando a caverna naobscuridade quase completa. Desde o nascimento, geração apósgeração, seres humanos encontram-se ali, de costas para a entrada, acorrentados sem poder mover a cabeça nem locomover-se,forçados a olhar apenas a parede do fundo, vivendo sem nunca tervisto o mundo exterior nem a luz do Sol, sem jamais ter efetivamentevisto uns aos outros nem a si mesmos, mas apenas sombras dosoutros e de si mesmos porque estão no escuro e imobilizados.Abaixo do muro, do lado de dentro da caverna, há um fogo queilumina vagamente o interior sombrio e faz com que as coisas quese passam do lado de fora sejam projetadas como sombras nasparedes do fundo da caverna. Do lado de fora, pessoas passam conversando e carregando nos ombros figuras ou imagens dehomens, mulheres e animais cujas sombras também são projetadas na parede da caverna, como num teatro de fantoches. Osprisioneiros julgam que as sombras de coisas e pessoas, os sons desuas falas e as imagens que transportam nos ombros são as próprias coisas externas, e que os artefatos projetados são seresvivos que se movem e falam.Os prisioneiros se comunicam, dandonome às coisas que julgam ver (sem vê-Ias realmente, pois estão na obscuridade) e imaginam que o que escutam, e que não sabem quesão sons vindos de fora, são as vozes das próprias sombras e nãodos homens cujas imagens estão projetadas na parede; tambémimaginam que os sons produzidos pelos artefatos que esseshomens carregam nos ombros são vozes de seres reais.Qual é, pois. a situação dessas pessoas aprisionadas? Tomam sombras porrealidade, tanto as sombras das coisas e dos homens exteriorescomo as sombras dos artefatos fabricados por eles. Essa confusão,porém, não tem como causa a natureza dos prisioneiros e sim ascondições adversas em que se encontram. Que aconteceria se fossem libertados dessa condição de miséria?Um dos prisioneiros, inconformado com a condição em que se encontra, decide abandoná-Ia. Fabrica um instrumento com o qual quebra os grilhões. De início, move a cabeça, depois o corpo todo; a seguir, avança nadireção do muro e o escala. Enfrentando os obstáculos de um caminho íngreme e difícil, sai da caverna. No primeiro instante, ficatotalmente cego pela luminosidade do Sol, com a qual seus olhosnão estão acostumados. Enche-se de dor por causa dosmovimentos que seu corpo realiza pela primeira vez e peloofuscamento de seus olhos sob a luz externa, muito mais forte doque o fraco brilho do fogo que havia no interior da caverna. Sente-se dividido entre a incredulidade e o deslumbramento. Incredulidadeporque será obrigado a decidir onde sé encontra a realidade: no quevê agora ou nas sombras em que sempre viveu. Deslumbramento (literalmente: ferido pela luz) porque seus olhos não conseguem vercom nitidez as coisas iluminadas. Seu primeiro impulso é o deretornar à caverna para livrar-se da dor e do espanto, atraído pelaescuridão, que lhe parece mais acolhedora. Além disso, precisaaprender a ver e esse aprendizado é doloroso, fazendo-o desejar acaverna onde tudo lhe é familiar e conhecido.Sentindo-se semdisposição para regressar à caverna por causa da rudeza docaminho, o prisioneiro permanece no exterior. Aos poucos, habitua-se à luz e começa a ver o mundo. Encanta-se, tem a felicidade definalmente ver as próprias coisas, descobrindo que estiveraprisioneiro a vida toda e que em sua prisão vira apenas sombras. Doravante, desejará ficar longe da caverna para sempre e lutarácom todas as suas forças para jamais regressar a ela. No entanto,não pode evitar lastimar a sorte dos outros prisioneiros e, por fim,toma a difícil decisão de regressar ao subterrâneo sombrio paracontar aos demais o que viu e convencê-los a se libertaremtambém.Que lhe acontece nesse retorno? Os demais prisioneiroszombam dele, não acreditando em suas palavras e, se nãoconseguem silenciá-lo com suas caçoadas, tentam faze-lo espancando-o. Se mesmo assim ele teima em afirmar o que viu e os convida a sair da caverna, certamente acabam por matá-lo. Mas,quem sabe alguns podem ouvi-lo e, contra a vontade dos demais,também decidir sair da caverna rumo à realidade. O que é acaverna? O mundo de aparências em que vivemos. Que são assombras projetadas no fundo? As coisas que percebemos. Que sãoos grilhões e as correntes? Nossos preconceitos e opiniões, nossacrença de que o que estamos percebendo é a realidade. Quem é oprisioneiro que se liberta e sai da caverna? O filósofo. O que é a luzdo Sol? A luz da verdade. O quê é o mundo iluminado pelo sol daverdade? A realidade. Qual o instrumento que liberta o prisioneirorebelde e com o qual ele deseja libertar os outros prisioneiros? A Filosofia.
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